Em dias de ódio

Há dias que eu só queria morrer.

Eu detesto todas as pessoas a minha volta e nenhuma delas consegue me entender. São grossas comigo porque eu também sou escrota, não as culpo pois têm razão. Mesmo assim, a minha teimosia não quer aceitar e a vontade que acabo tendo é de morrer. A dor de suportar essa desavença é muio grande, a raiva que sinto é incontrolável. Se eu pudesse, faria isso com minhas próprias mãos mas ainda reside em mim uma conciência que mede pesos.

Eu queria que todas elas morressem também. Há dias que odeio todo mundo.

Que ódio. Ódio.

Eu...Eu só...

Eu só queria ver um filme no sofá com você.

Vulnerabilidade

Engraçado como a vida é às vezes. Nos últimos dias, semanas, meses, tenho passado por um período em que me senti muito fraca. Não fisicamente como se estivesse desnutrida mas psicologicamente, com preocupações que se emaranharam como se fossem fios de um novelo enrolado no gato. É claro que falar sobre isso só deixaria as pessoas preocupadas e às vezes não tem um motivo específico para você estar triste. Há vezes que você está triste e nada mais. Por outro lado, eu acredito que as coisas da vida possuem uma causa, o motivo pode até ser muito abstrato e pouco compreensível mas nasce de algum lugar e quando se conclui serve para alguma coisa. Nesse caso, para crescer, melhorar como pessoa. Pena que é preciso sofrer para aprender pois as coisas das quais não batalhamos tanto para ter parecem que no fim sempre acabam sendo menos valorizadas por nós... Não sei também, é o que eu acho por hora.

Pensava sobre vulnerabilidade. Não tenho um estudo aprofundado, e nem pretendo ter um dia, mas o ponto é que pensar sobre o tema trouxe conversas e fatos no meu dia-a-dia que resultou em uma reflexão valiosa para mim.

Comecei a perceber que todas as pessoas possuem um ponto que possuem maior dificuldade para lidar. É evidente que para cada pessoa é um caso e uma razão para ter essa dificuldade mas todo mundo tem. Apesar de você saber qual é o seu ponto de maior fraqueza, ele é extremamente desprotegido, você não sabe se defender na hora de encará-lo, lidar é sempre uma guerra. Talvez seja assim porque temos que enfrentar nossas emoções. Elas, por não terem uma essência exata, acabam não podendo ser resolvidas de forma precisa, não há uma única receita, cada pessoa vê e age de uma maneira distinta diante do mesmo assunto. A tentativa geral é testar diversas fórmulas que outras pessoas usaram (e deram certo) até encontrar aquela que melhor combina com você.

Outro tópico relevante que fiquei pensando é que todos escondem seu ponto fraco. O que é importante e até uma atitude de sobrevivência, afinal, revelar a fraqueza é se expor, é parecer menor. Suas fraquezas podem te atormentar muito mais se a pessoa quem você confiou essa informação começar a usá-la de má fé, podem inclusive te machucar se forem mencionadas sem querer. Quem tem a arma carrega poder.

Em meio desses pensamentos, um dia no trabalho, uma colega contava suas histórias de vida e no meio dela soltou: "Quando fingimos o que sentimos, demoramos mais tempo para nos curar." Isso me fez pensar que de fato eu sinto muitas coisas na vida que acabo negando seja porque não quero magoar o próximo ou apenas por autopreservação. Por não resolver e deixar acumulado no meu coração, essas coisas um dia voltam e tenho que entrar na batalha mais uma vez. No fim, negá-las foi apenas fugir e só perdi tempo não enfrentando logo. "Belas palavras", disse. Ela me retribuiu com um sorriso.

Outra história me ocorreu na mesma época. Uma amiga me contava sobre uma vez que queria desistir do curso e um veterano falou: "Se é isso mesmo que você quer, desiste. A gente às vezes aguenta coisas só para não parecer fraco, mas a verdade é que ninguém precisa ser forte." Ela concluiu que não precisamos provar nada para ninguém, que não precisamos aguentar pressão, que podemos simplesmente abandonar e deixar para trás. Tem coisas que nos preocupam e só nos fazem perder energia.

É claro que as coisas que nos deixam vulneráveis possuem níveis. Há coisas que ficamos mais sensíveis e há coisas que até conseguimos lidar com certa relutância. Talvez a dificuldade venha de uma cultura onde somos praticamente induzidos a evitar nossas emoções, tentar maquiá-las porque nos atrapalham, são esquisitas e nos trazem insegurança.

É claro que pensar sobre vulnerabilidade não vai me tornar alguém menos vulnerável mas quem sabe assim, falando e pensando sobre, não me ajude a encarar as coisas com mais leveza, afinal, todo mundo é meio esquisito e fraco, não tem como nascer nem ser perfeito. Li em algum lugar que confiança a gente se conquista. Talvez seja isso mesmo.

Por que será...

... que a gente fere e é ferido por quem a gente ama?

Por que será que a gente fica triste, sente raiva e até chora quando ama? Por que a gente não consegue só amar e ser feliz? A gente que é tão complicado e sabe que é complicado não precisava complicar mais, afinal, a gente se ama, não ama?

Por que a gente perde tempo reclamando e podando quem a gente é se a gente se gosta de como somos e por sermos quem somos nos amamos? A vida é tão curta... A gente podia perder tempo com ela só sendo feliz e ficar bem assim, não acha?

Eu que amo fico preocupada e sei que acabo sufocando. Eu que amo queria ficar perto e isso também pesa. Eu que amo queria que pensassem em mim mas isso pressiona e cansa. Por que será que eu sei dessas coisas e mesmo assim não consigo balancear a vida, deixar tudo mais leve e ter meus dias tranquilos?

Eu achava que amar era só ver quem você ama feliz mas hoje eu acho que a gente acaba buscando (mesmo que inconsciente) a nossa felicidade no outro. Pode acabar virando um peso nas costas? Pode. Mas a felicidade é uma busca constante e o desejo de que ela seja vivida em extrema potência a maior parte do tempo faz com que a gente acabe projetando expectativas no próximo. Isso me deixa tão frustrada com você...

Por que será que a gente precisa sofrer um pouquinho só para poder amar um pouco mais?

Eu pensava que amar era estar bem com o outro assim como quando a gente ri é porque achamos engraçado ou quando a gente briga é porque estamos irritados. Mas amar é muito mais complexo e não adianta só amar, tem que saber o limite do outro e respeitar espaços.

Amar é esperar, é estar do lado, confiar, perdoar. Amar também é olhar, tocar, sentir, cheirar e ouvir. Amar também é pensar, surpreender, crescer, cuidar. É querer ver o outro dormindo tranquilo, é poder ser esquisito sem ser julgado, é ficar em silêncio sem ficar desconfortável. Amar também é saber se despedir. É ficar longe e ainda continuar se amando, é conseguir se sacrificar um pouquinho para ver o outro feliz. É brigar e logo ficar bem de novo. É brigar porque quer o bem. É às vezes ser egoísta e às vezes querer dividir.

Por que será que amar precisava ter tantas coisas juntas e não só amar?

Por que será...?


Nuvem

A nuvem hoje parecia algodão doce. Era rosinha com leves tons avermelhados, composto por vários detalhes que lembravam fiapos de açúcar, delicada e macia. O sol passava por ela e evidenciava sua costura, deixando claro os detalhes que enriqueciam o céu.

Pensei em como seria bom me afogar nela. Se me deitasse ali, a nuvem me acolheria como em um abraço. Ali não haveria tristezas, o sol envolveria o meu corpo e aqueceria o coração que há um tempo esqueceu o que é calor. Esse quentinho doce proibiria minha mente de lembrar dos problemas que crio, do vazio do meu peito e iluminaria as sombras que cobrem o dia.

Lá haveria paz.

Em um céu tão aberto não teria como encontrar dificuldades para respirar. Conseguiria me manter calma e o espaço lá em cima seria só meu. Tão meu que possivelmente me sentiria só, mas solidão não seria mais um problema porque estaria leve, leve como as nuvens, leve ao ponto da brisa poder me carregar, livre de qualquer peso que me fizesse parar.

Lá todo o resto seria menor. As complicações estariam na devida escala e entenderia que o que eu enfrento agora é muito pequeno para poder me prender. Eu ia ver como a minha realidade é restrita e a vida vasta de mais para preferir ficar parada esperando alguma coisa acontecer. Finalmente ia resolver meus problemas mesquinhos, enfrentaria meus medos infantis e decidiria cuidar de todos os machucados que os outros me fizeram. Seria verdadeiramente sábia ao ponto de não ser ferida quando tentassem me ofender e saberia desarmar minhas armadilhas criadas para autodestruição. Ser capaz de perdoar a mim ou a qualquer outro seria muito fácil pois carregaria dentro de mim todo o amor do mundo.

Então seria plena.

Contudo aqui, no chão, contemplo o céu e fico só me perguntando: como é possível conseguir me imaginar tão completa, saber como deveria me sentir, ter consciência de como resolver todos os meus problemas e ainda assim permanecer imóvel como se estivesse enterrada? Por que será que meus conflitos ainda me assombram mesmo sabendo que são tão ínfimos? Por que eu travo? Por que sinto essas coisas que me fazem mal sabendo que elas não deveriam me fazer mal algum? Onde melhorar? Como agir? Por que o que dizem ser tão normal para mim soa errado? O que é errado sentir? Por que seria errado? Por que me faz tão mal? Por que eu não consigo sair do lugar? O que fazer? O que fazer? O que fazer?

Estar aqui na terra me faz sentir tão fraca... Quando a primeira e a última coisa que se pensa no dia são as mesmas questões você acaba se afogando. Mente e corpo vivem exaustos. A grandiosidade da nuvem parece irrelevante e a imensidão do céu não é mais capaz de te tocar. Eu me sinto esmagada pelos meus próprios pensamentos, encenações mentais do que me traria felicidade genuína são transformadas em pedras para carregar nas costas. Respirar às vezes é uma tortura porque o peito está todo machucado ou cheio de mais e daí, quando você tenta colocar ar, dói porque não cabe mais nada além daquele vazio ocupando você. Mas por quê? Por que eu acabo encarando assim? Por que me machuca e por que tortura? Seria teimosia minha? Saber a verdade e não querer aceitar, um clássico. Faz tanto tempo enfrentando as mesmas coisas que parece piada de um drama cômico.

Talvez ninguém consiga entender, talvez ninguém nunca tenha passado por isso ou talvez as outras pessoas consigam lidar melhor do que eu... Mas eu não... Eu não sei lidar e as soluções do que deveria fazer estão para mim fora de cogitação. Mas por quê? Por que eu tenho tanta dificuldade?

Contemplar a nuvem me fez lembrar como a felicidade é efêmera e que a vida é muito curta. Eu me atraso todos os dias por causa das mesmas coisas. Já não está na hora de parar? Eu queria tanto melhorar... Queria tanto ficar em paz e queria tanto resolver os problemas ao invés de só carregar eles. Queria tanto aceitar as coisas de fato. Queria tanto sentir as coisas certas. Queria tanto parar de perder tempo com isso... Mas eu não sei... Eu juro que não sei como fazer tudo o que deveria fazer para a solução se tornar real... Você pode falar "só faz e pronto" ou "deixe disso, toque a vida" mas se fosse simples assim, acho que não estaria aqui olhando para nuvem tentando me resolver.

- Você está bem?

- Neutra... E você?

- Estou bem... O que significa estar neutra?

- Significa que não estou nem feliz e nem triste. Estou no meio disso.

- Complexo.

- Não, na verdade é simples. Eu não estou empolgada para nada mas não é como se estivesse chorando por alguma coisa.

- Isso soa meio... morto.

- Talvez... mas eu acho que é assim que você se sente quando passa por uma situação ruim e então você entende essa situação e daí aos poucos você tenta se recuperar.

- Então você estava mal antes?

- Estava sim.

- Que pena...

- ...

- ...

- Eu, na verdade, acho que precisava falar com você. Não quero mais ficar neutra, quero ficar bem.

- O que seria?

- É que... Eu tenho medo de te contar. Nem é porque eu penso que você vai me fazer algum mal, é mais porque eu acho que você não vai ligar tanto de saber.

- E qual o problema?

- A sua indiferença me machuca. E eu também não queria te preocupar com mais essa coisa, sua vida não deve ser mais fácil que a minha.

- Machuca?

- Sim, porque é uma coisa que eu me importo muito. Você, por não se importar, me quebra.

- Mas se você falar vai te ajudar, não vai?

- Eu não sei também, há a possibilidade de estar errada.

- Podemos tentar, eu posso te ouvir.

- Eu tenho medo.

- De eu não me importar?

- É que não é só isso. Também tenho medo de te perder, da sua reação, do que vai pensar... Na verdade eu já sei sua resposta, é meio insistência do cérebro querer te falar, eu não sei explicar... São coisas entaladas em mim e precisava falar para você porque falar para qualquer outra pessoa não adiantou em nada então talvez se eu falasse para você eu conseguiria me poupar, entende?

- Fale.

- Mas, e se...

- Vai ficar tudo bem.

- Você já sabe o que é.

- E o que é?

- Tudo bem, é que eu... Eu... Eu sinto a sua falta. É uma saudade que não é normal... Dói... Eu... Você... Queria poder falar com você todos os dias, queria contar do meu dia e queria ouvir sobre o seu. Queria saber o que te deixou feliz hoje e o que te aborreceu. Queria que você tivesse essa vontade também... Queria que você quisesse falar comigo. Meu silêncio na verdade é uma luta de autocontrole enquanto que o seu é apenas a indiferença.

- Eu não sabia...

- Eu sei... Não era para você saber. Mas estou tentando, sabe? Não pense que eu estou falando tudo isso porque quero alguma coisa com você. Tente ouvir como um desabafo, ouvir na amizade. Enfim... Eu realmente estou tentando te ver como eu vejo as outras pessoas mas é muito difícil. Na real eu nem amo mais você... Meu peito já não queima como antes e meu estômago não embrulha. Já matei muito de você que ficava dentro de mim só que mesmo assim... Mesmo depois de tanto tempo eu ainda me importo muito com você. Queria saber como está e sua opinião sobre as coisas da vida.

- Entendo...

- Foi o que eu disse... Talvez seja só a persistência da memória. Mas eu sei que na verdade a gente não ia dar certo.

- Por quê?

- Porque você não quer, porque talvez eu também não quisesse tanto assim, porque eu não te encantei, não sou o que você procura, não estamos na mesma página do livro, porque talvez você já goste de outra pessoa... Não sei, aí é você quem me diz. Mas eu aposto na primeira opção, ela é a mais honesta. Todas as outras levariam a discussões que convergiriam para ela de qualquer jeito.

- Você tem toda a razão.

- É, eu sei... por isso que ainda dói... Um pouco. Eu sei que ainda quero você e sei que quero o seu carinho. Mas também sei que sou teimosa de mais e se você falar agora que tudo bem, eu não ia aceitar porque eu quero alguém que me trate como Coca-Cola e você só ia conseguir me ver como Pepsi.

- Hahaha.

- Gosto muito do seu sorriso, sabia? Ai... Desculpa, eu não queria que fosse assim. Quando percebi que gostava de você na verdade entrei em pânico. Gostar de alguém nos torna muito vulneráveis, eu sentia medo de quebrar. Então eu comecei a me afundar, a me fechar e me esconder. Agia diferente do normal, maquiava o que eu sentia para ninguém ver... Nunca entendi porquê ninguém podia saber... Comecei a me reprimir ao invés de tentar resolver logo, tentava me enganar... Perceba a ironia, o que tentei fugir se tornou real.

- Não precisa se desculpar, você não fez nada de errado.

- Bom... de qualquer maneira, agora é tarde... Já está passando... Só que eu fico incomodada que você ainda me assombra, que você ainda vive dentro de mim. Não sei se haverá o dia que você vai morrer para mim, mas se tiver, queria que fosse agora. Eu... Na verdade... Enfim... Não sei o que fazer...

- Eu não sei como te ajudar.

- Tudo bem, ninguém sabe... Essas coisas acho que é só com o tempo mesmo... Sabe, quando fico sozinha eu ainda penso em você. Penso no que responderia quando te falasse essas coisas, sua opinião, o que pensaria de fato, na cara que ia fazer... Antes pensar em você era bom, ficava feliz e meu peito esquentava, queria te abraçar, fazer carinho. Agora não... O quentinho virou tortura onde eu só consigo pensar "chega, por favor". Eu não quero mais querer você. Eu não quero mais me torturar por você. Mas, sabe? Talvez o que dói mesmo não é gostar de você, talvez o que dói é não poder gostar.

- Como assim?

- Assim, poxa. Querer e não tocar. Gostar e se machucar. Seria muito bonito se eu conseguisse te amar e amar sem esperar que você retribuísse qualquer carinho mas eu não consegui. Eu tentei por um tempo, foi muito difícil. Preferi desistir e me afastar. Dói muito, sabia? Dói quando você se importa com alguém mas esse alguém não liga tanto para você ou só finge que liga.

- Entendo... Difícil mesmo.

- Depois eu fiquei pensando, talvez eu só não queria ficar sozinha e como você se tornou uma possibilidade, coloquei em você todas as minhas expectativas. Eu não sei... Queria que alguém me dissesse o que fazer. Só esperar está me fazendo perder tempo.

- Você vai ficar bem.

- Eu sei... É o que todo mundo diz. Já estou de saco cheio desses conselhos genéricos. Eles não ajudam em nada, te mantém no mesmo lugar e não são uma solução. Como é frustrante não saber o que fazer. Bom... Acho que era isso que eu tinha para falar por hora.

- Um monte de coisa complexa.

- Não, na verdade é bem simples. Eu gosto muito de você, você não gosta tanto de mim e agora estou tentando me reconstruir sem que eu tenha que te sacrificar. Como disse, eu não quero te perder... Apesar de que eu nem sei se temos mesmo uma relação de amizade.

- Temos sim.

- É... Eu notei...

Coragem

Talvez o segredo seja se lembrar do tempo que se perde não tomando alguma atitude.

De manhã na grande praça

Quando pego o ônibus para ir ao trabalho, acabo passando por uma praça. Ali, em uma das esquinas, geralmente tem um senhor que chuto ter uns 60 anos (ou mais) que fica de pé virado para rua movendo-se como um maestro.

Já notei que não usa fones e que também não há rádio que toque músicas para orientar seus movimentos. Ele sempre está sozinho. O cenho franzido e os olhos fechados denunciam sua concentração, sempre com um ar inspirado. Quem passa o olha com muita curiosidade ou apenas estranha.

Como será? Como será que ele sente o som dos carros? Como ele interpreta a buzina da moto? Qual o ritmo do motor do caminhão? Qual é o tom dos sinos das bicicletas? O movimento dos braços segue o freio dos ônibus, e seu corpo interpreta a verdadeira sinfonia urbana apreciada talvez apenas por aquele que a maioria chama como louco. No fundo, quem sabe, sejam eles os sábios por achar a beleza nas menores coisas do cotidiano e somos nós os loucos por considerar o nosso dia-a-dia ruído.

Na loja de roupas

Quando fui para a fila pagar a peça que havia experimentado, observei um senhor que estava a umas duas pessoas a minha frente. Ele estava sozinho e a mochila nas costas denunciava que acompanhava alguma criança.

- Amor, vou com o Lucas no banheiro e vou deixar o Felipe com você. Olha, estas são as peças. Felipe, querido, vai com o papai na fila. - Disse a mulher entregando ao senhor exatamente três peças de roupa e em seguida partindo com o menor filho.

- Venha para cá, Fe. Dê a volta e peça licença para passar - respondeu o pai.

O menino, que eu chuto ter uns 8 anos, deu a volta e começou a passar pelas pessoas da fila ao encontro do pai.

- Peça licença, venha devagar. - alertava o senhor.

- Com licença, estou indo encontrar o meu pai. - pedia o menino.

Até que o pequeno passa por mim e então chega ao pai olhando as três peças de roupa na mão.

- Pai! Pai! Deixa eu te mostrar quais são as minhas roupas! - falava entusiasmado, pronto para contar a novidade do dia.

- Está bem.

- Essa blusa cinza aqui é minha. Essa calça super maneira é minha. E esse moletom eu nem gostei tanto do desenho mas a mãe achou legal então ela pegou para mim também.

- Ué... todas as peças são suas?

- Sim. - disse convicto.

- Mas vocês não pegaram nada para o Lucas?

- Não. - com voz de quem nem estava ligando.

- Nossa, a sua mãe não pegou nada para o Lucas? Não pode isso. Como assim nenhuma roupa é dele e três são para você? Cade a sua mãe para falar com ela? O que a gente veio fazer aqui então?

- Comprar roupas para mim, ué.

As peças

Demoraram tanto para serem reagrupadas que me dá agonia de ter tropeçado e deixado cair tudo de novo.